quinta-feira, 31 de março de 2011

Café com Teatro - Dia Internacional do Teatro 27/03/10

Águas de março

Ou,
no meio de uma chuva torrencial havia um teatro, uma troupe, seus amigos
e suas histórias. Então, plena a noite, uma cidade era só emoção.


(*) Silvio Campana


 No Café com Teatro há crianças que riem e gente que espera. Há homens que atrasam e mulheres que brilham.
 Enquanto a chuva cai, no Café com Teatro, há pessoas que correm e se pintam e dizem todas as tintas à parede. Vestem-se, revestem-se, maquiam a cara, desvendam a vida e se revezam. Alguns espreitam, invejam. Outros - a maioria - observam e aplaudem. No Café com Teatro, há humanos que sentem.
 Ao palco, há os que fazem rir e os que fazem chorar. E há os que habilitam goteiras como cenário para um elogio musical à amizade que quebra fronteiras. No Café com Teatro, não há anistia. Existe é lembrança, paciência e perseverança frente a um tempo perdido. Enquanto a água molha os rostos e lava as almas, as cabeças maquinam os sonhos. E a luta pela dignidade da arte se impregna na pele dos que ainda nao tinham febre.
 No Café com Teatro, enquanto a chuva cai, há os que com suas mãos fizeram de estopa, fuxico, e de erva-mate, licor. E existem os couros que viraram chinelos e os bambus que viraram flautas por um jeito minucioso de alguém. Também há os que de simples olhares farão amores.
 É final de março e as águas para Iara, fechando o verão, são implacáveis. Em vez de estrelas no céu, um breu. Mas no pátio que circunda o espetáculo, existe o aconchego e a importância das iniciativas modestas e legítimas. No Café com Teatro, tudo que é pouco, aparentemente comum ou difícil, faz-se imponente como o vento que vez ou outra bate na madeira do velho barracão lotado. E o olhar sincero daquela gente teimosa que o organizou me satisfaz.
 Há anos é assim. Teimam tanto que até se desocupam de si mesmo para serem a arte em movimento. Eles agora estão aqui, enquanto a chuva cai, colhem mais um fruto de sua ação coletiva.
 Ninguém quer ir embora, nem o público, nem a arte. Enquanto que a chuva cai, no Café com Teatro. Há, pois, um colorido diferente nos semblantes e nas paredes. Por certo é Dionisio, reposto a um lugar que o esqueceu durante tanto tempo com as cortinas fechadas. Ou, então, para simplificar, é a volta do que tem de ser cotidiano num lugar como este: a cidade e suas tribos.
 Há mulheres feias e belas, há palhaços e gargalhadas, há burocratas e gente de carne e osso. E há uma borboleta que voa do teto até nossos sonhos pendurada em asas improvisadas num tecido com a cor da paixão.
 Neste pedacinho do Universo, enquanto a chuva cai o tempo passa rápido. E há uma mescla de cansaço e êxtase de quem, por trás do espetáculo, faz o velho Barracão renascer e dizer sim para meninos e meninas plugarem a vida através da gentileza de uma cena ou de um bailado.
 Finalmente há palmas e reconhecimento, em vez de burocracia e esquecimento, para o palco tímido do Teatro feito de tábuas de madeira-de-lei nesta noite de chuva e carinho. É como se toda esta água nos emprestasse atenção para o instinto humano de se expressar e mudar o molde da vida com emoção.
 Então, daqui a pouco, quando tudo tiver um gosto de saudade para alguns, para mim ainda será o HOJE. Por isso, desalinho o texto do título. Presunçosamente, amarro passado e presente em um só fato. E escrevo para memorizar um tempo real e dinâmico, retrato do que sempre é o cotidiano da luta de toda a moçada "da Casa".


Foz do Iguaçu, Tarde/Noite de 27 de março de 2011

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(*) Silvio Campana é jornalista em Foz do Iguaçu, Pr.



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